— Onde estou? — foi a primeira coisa que saiu da minha boca em semanas. Minha voz saiu fraca, como se fosse emprestada de alguém. Meus olhos mal conseguiam se abrir, o teto branco e as luzes me cegavam.
Uma enfermeira apareceu rapidamente, me olhando com surpresa e alívio.
— Você está no hospital, querida. Está tudo bem, mas não tente se mexer. Vou chamar o médico.
Eu tentei levantar, mas meu corpo parecia preso por fios invisíveis. Era como se cada músculo gritasse em protesto. A dor era tão intensa que lágrimas escorreram pelo meu rosto antes mesmo de entender por quê. A enfermeira tentou me acalmar, mas minha mente estava em pânico. Meu coração acelerava, e o som do monitor me deixava ainda mais confusa.
Logo, o médico entrou correndo. Ele parecia preocupado.
— Ji-yeon, você precisa descansar. Não se esforce. Vamos ajudá-la.
Eles me seguraram, suas mãos quentes e firmes. Em poucos segundos, senti algo frio atravessando minha pele. A dor diminuiu aos poucos, e uma calma artificial me envolveu. Eu fechei os olhos novamente, mas antes de apagar por completo, flashes do fogo começaram a invadir minha mente.
Era um dia bonito, ensolarado. O céu azul parecia zombar de nós, como se não soubesse o que tinha acontecido semanas atrás. Desde a morte de Ji-ho, a casa estava mergulhada em um vazio pesado. Meu pai fazia o possível para segurar o que restava da nossa vida. Ele passava horas no telefone, falando com bancos, negociando dívidas e tentando salvar a casa. Os papéis sobre a mesa mostravam números que não faziam sentido para mim, mas pelo seu olhar eu sabia que as coisas estavam ruins.
Minha mãe, por outro lado, quase nunca saía do quarto. Passava os dias deitada, encarando o teto ou olhando para o nada, como se estivesse presa em algum lugar entre o presente e o passado. Era difícil vê-la daquele jeito, mas eu também não sabia como ajudar.
Na escola, as coisas não eram melhores. Ninguém falava comigo. As crianças me olhavam de longe, cochichando algo que eu não conseguia ouvir, mas que doía mesmo assim. Eu era a menina estranha, aquela que não falava e que tinha perdido o irmão. Quando tentavam ser simpáticos, era ainda pior, porque eu sentia que era apenas pena.
Uma tarde, ao voltar para casa, algo diferente aconteceu. Minha mãe estava de pé na porta, me esperando. Fazia tanto tempo que eu não a via fora do quarto que quase me assustei. Ela parecia... arrumada. O cabelo estava penteado, e havia um leve sorriso em seu rosto.
— Ji-yeon, venha comigo — ela disse suavemente, estendendo a mão para mim.
Eu a segui sem questionar. Primeiro, fomos ao parquinho. Ela me empurrou no balanço, algo que não fazia desde que eu era muito pequena. Depois, fomos comer algo simples, mas saboroso. Por último, paramos em uma pequena loja. Ela comprou algumas coisas que eu não entendia. Havia algo estranho em suas ações, mas eu não consegui formular nenhuma pergunta. Apenas observei em silêncio.
Voltamos para casa, onde meu pai nos esperava. Ele parecia cansado, mas quando nos viu, abriu um sorriso. Abraçou minha mãe com força, e depois me puxou para junto deles. Por um breve momento, parecia que éramos uma família novamente.
Percebi que meu pai carregava uma sacola branca com o símbolo de uma farmácia. Apontei para ela, curiosa. Ele deu uma risada curta.
— É só para gripe, Ji-yeon. Nada demais.
Entramos em casa, e minha mãe foi direto para a cozinha. Ela preparou um prato que eu não via há muito tempo: kimchi jjigae, um ensopado apimentado que Ji-ho adorava. Meu pai estava ocupado "consertando" as janelas e portas, ou pelo menos era o que parecia. Eu fiquei fazendo meu dever, enquanto os observava. Minha mãe parecia tão animada, como se tivesse encontrado algum propósito.
Depois do jantar, minha mãe sugeriu algo inusitado.
— Que tal dormirmos todos juntos hoje? Como fazíamos antes?
Eu hesitei, mas concordei. Era algo que não fazíamos há anos. Desde que Ji-ho nasceu, ele era quem dormia com eles. Eu preferia minha própria cama. Mas algo no olhar dela me fez aceitar.
Quando fomos para o quarto, minha mãe trouxe um copo de água e um comprimido.
— É só para você dormir melhor, minha filha. Está tudo bem.
Eu olhei para ela, confusa, mas sua expressão era tão tranquila que aceitei. Tomei o remédio e deitei ao lado deles. Meu pai segurou minha mão de um lado, e minha mãe segurou do outro.
Senti meus olhos ficarem pesados. O sono veio rápido, mais rápido do que o normal. A última coisa que lembro foi minha mãe acariciando meu cabelo e sussurrando:
— Vai ficar tudo bem agora, Ji-yeon.
E então, tudo começou.
A Fumaça e as Chamas
Acordei tossindo. Um gosto amargo e metálico preenchia minha boca, e minha garganta ardia como se eu tivesse engolido fogo. Minha visão estava turva, e o cheiro era tão forte que parecia cortar minha respiração. Pisquei algumas vezes, tentando ajustar os olhos à claridade alaranjada que dançava pelo quarto. Fumaça. Estava em todos os lugares.
Meu corpo mal respondia, pesado, fraco. Minhas pernas tremiam enquanto eu tentava me levantar. Olhei para o lado e vi minha mãe, deitada na cama, segurando minha mão. Meu pai estava ao lado dela, com o braço envolto em mim e outra mão na dela, como se ainda estivessem unidos, mesmo naquele caos.
Chacoalhei minha mãe primeiro.
"Por favor, acorda!" eu queria gritar, mas minha voz não saía. Minha boca abriu e fechou como se eu estivesse me afogando. Ela não se mexia. Seus olhos estavam fechados, o rosto sereno, como se estivesse dormindo profundamente.
Voltei meu desespero para o meu pai. Balancei seu ombro, puxei seu braço, mas ele também não respondeu. O mundo ao meu redor parecia estar desmoronando, e eles estavam imóveis, como se nada estivesse acontecendo.
Corri até o banheiro, tropeçando no caminho. Meu corpo parecia dormente, como se não me pertencesse mais. Caí no chão, sentindo o impacto no quadril, mas a adrenalina me fez continuar. Peguei um copo, o enchi de água trêmula e voltei para o quarto.
Joguei a água no rosto deles. Uma, duas, três vezes. "Por favor, acordem", minha mente gritava, mas minhas palavras continuavam presas na garganta. Nada. O desespero me consumiu enquanto a fumaça ficava mais densa, queimando meus olhos e invadindo meus pulmões.
Vi o telefone do meu pai ao lado da cama e o agarrei com mãos trêmulas. Liguei para os bombeiros, mas quando eles atenderam, eu não consegui dizer nada. Segurando o aparelho contra o ouvido, soltei sons baixos, tentando mostrar que precisava de ajuda. Do outro lado, a voz calma do atendente fazia perguntas, mas eu só podia emitir pequenos ruídos de concordância.
A fumaça se intensificava, e as chamas começavam a se aproximar. Elas avançavam do corredor para o quarto, ganhando força a cada segundo. Eu me virei desesperada para a porta, tentando abri-la, mas estava trancada. Corri para a janela, mas ela também não cedia. Cada fresta estava selada, coberta por algum tipo de material. O calor era insuportável, e o suor escorria pelo meu rosto.
"Por que isso está acontecendo?" pensei, enquanto batia com força na madeira das janelas, até minhas mãos começarem a doer.
O som das sirenes se aproximava, um eco distante no meio do caos. Mas era tarde demais. Um estrondo enorme encheu o quarto. A explosão me atingiu com uma força que me lançou contra a parede. O impacto me tirou o ar, e minha visão começou a escurecer.
O último som que ouvi foi o estalo da madeira queimando e as vozes abafadas que gritavam meu nome.
Quando abri os olhos novamente, vi vultos de pessoas com uniformes amarelos e capacetes brilhantes. O rosto de um bombeiro pairava sobre mim, seus olhos cheios de preocupação. Minha boca estava coberta por uma máscara, e o oxigênio frio invadia meus pulmões.
Minha mente parecia um borrão, e tudo ao meu redor era confuso. Podia ouvir vozes apressadas, palavras como "sobrevivente", "intoxicação" e "não houve tempo".
— Vamos tirá-la daqui! — alguém gritou.
Fui erguida gentilmente e levada para fora. O ar fresco me atingiu como uma onda, mas eu ainda me sentia sufocada. Olhei para trás, para a casa. As chamas haviam tomado tudo, o telhado estava desabando. Era como se o lar que conhecia tivesse sido engolido por algo monstruoso.
Vi os bombeiros saindo com duas macas. Eles cobriram os corpos com lençóis brancos, mas eu sabia quem eram. Meu coração parou. Senti como se uma faca atravessasse meu peito.
— Pai! Mãe! — tentei gritar, mas minha voz era apenas um sussurro rouco, perdido no vento.
Um bombeiro se ajoelhou ao meu lado, segurando meu ombro.
— Você está segura agora. Estamos com você.
Mas eu não me sentia segura. O vazio era esmagador. O mundo parecia ter parado, deixando apenas o som das sirenes e o cheiro de fumaça.
Enquanto as ambulâncias me levavam, o eco da noite ainda me perseguia: o calor do fogo, o som das chamas devorando tudo, e a sensação das mãos deles, que nunca mais segurariam as minhas.
Acordei novamente. Tudo parecia mais nítido, mas o peso no meu peito ainda era insuportável. Ao meu lado, uma enfermeira ajustava os fios e monitores ligados a mim. Quando me viu abrir os olhos, ela sorriu suavemente, mas eu percebia a tristeza em seu olhar.
— Ji-yeon... Você está no hospital, querida. Está tudo bem agora. — Sua voz era gentil, mas havia algo na forma como falava, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado, pisando em vidro.
Tentei me levantar, mas meu corpo ainda parecia pesado, minhas pernas mal se moviam. Ela rapidamente colocou as mãos nos meus ombros para me impedir.
— Devagar, você ainda está se recuperando. Vou chamar o médico, está bem? — Antes que eu pudesse tentar qualquer coisa, ela saiu apressada, chamando por alguém no corredor.
Olhei em volta, reconhecendo o ambiente. O quarto, o cheiro, as cores pálidas — tudo me lembrava de Ji-ho. Aquela era a mesma ala onde ele ficou. Eles sabiam quem eu era. Sabiam de tudo.
Um homem entrou rapidamente, seguido pela enfermeira. Era o Dr. Min, o psicólogo que costumava me visitar após o acidente de Ji-ho. Ele carregava uma expressão séria, mas seu tom, quando falou, era calmo.
— Ji-yeon, fico feliz que esteja acordada. Como você está se sentindo?
Tentei responder, mas minha garganta parecia seca. Ele percebeu minha dificuldade e pediu à enfermeira um copo de água. Tomei um gole pequeno, mas ainda não disse nada. Apenas o olhei, esperando que ele dissesse o que precisava.
— Você sofreu um acidente... — Ele começou, sua voz carregando um peso que parecia mais difícil para ele do que para mim. — Mas está segura agora.
"Segura." Essa palavra não fazia sentido. Nada parecia seguro. Eu olhei para ele, em silêncio, esperando o resto.
— Ji-yeon... — Ele parou, como se procurasse as palavras certas. Ao seu lado, entrou outro médico, mais velho, provavelmente o responsável pelo meu caso. Eles trocaram olhares breves antes de continuar. — Seus pais...
Meu coração parou por um momento. Eles hesitavam como se isso fosse mudar o que estava para ser dito.
— Seus pais não conseguiram sobreviver, Ji-yeon. O acidente foi muito grave.
Olhei para ele, sem piscar. As palavras flutuaram no ar, mas não me atingiram de verdade. Não havia lágrimas, nem dor imediata. Era como se eu estivesse ouvindo sobre a vida de outra pessoa.
— Estou aqui para ajudar, Ji-yeon. Tudo bem? Você não precisa carregar isso sozinha.
Ele esperava uma resposta, mas eu apenas desviei o olhar, focando na janela ao lado da minha cama. O dia estava bonito, o céu tão azul que parecia debochar da escuridão que havia tomado conta de mim.
Fiquei ali, quieta, enquanto os médicos saíam. Eles disseram que voltariam mais tarde. Não importava.
Os dias viraram semanas. Permaneci no hospital, me recuperando das queimaduras e dos efeitos da fumaça que ainda afetavam meus pulmões. Meu corpo começou a melhorar, mas minha mente parecia um campo de ruínas.
As enfermeiras tentavam me envolver em conversas. Algumas delas até me conheciam de antes, quando Ji-ho estava ali.
— Você é tão forte, Ji-yeon — dizia uma delas, tentando um sorriso.
Mas eu não era. Eu apenas sobrevivia, porque não havia outra escolha.
Sem visitas, sem uma família para perguntar por mim, tudo parecia mais vazio a cada dia. As noites eram as piores, longas e silenciosas, onde os ecos das últimas semanas retornavam como fantasmas.
Eu pensava no toque final da mão do meu pai, na voz fraca da minha mãe e no calor do fogo que parecia queimar mais dentro de mim do que fora. Eles tinham me deixado. E agora, eu estava sozinha.
Deitada na cama do hospital, olhava para a janela todas as noites. Tentava não lembrar, mas as memórias vinham sem aviso. Sentia falta de Ji-ho, da risada dele. Sentia falta dos momentos simples com meu pai, das mãos gentis da minha mãe. Mas agora só havia silêncio.
E assim, passei meus dias no hospital, envolta no vazio. Afinal, era só isso que restava.
A Chegada da Tia
Estava olhando para o teto branco do quarto, distraída pelo som distante de vozes no corredor, quando a porta se abriu lentamente. Uma mulher entrou.
Ela era alta, elegante, com cabelos escuros perfeitamente arrumados, mas havia algo nos seus olhos que parecia carregado de histórias e de segredos. Não era jovem, mas ainda assim muito bonita, de uma maneira que me fazia lembrar minha mãe, embora mais séria e rígida.
Ela caminhou até a beirada da cama, os passos firmes, mas controlados, como se cada movimento fosse medido. Por um instante, fiquei imóvel, observando-a sem entender quem ela era ou o que fazia ali.
Ela me olhou com um sorriso pequeno e quase triste, inclinando-se para me observar mais de perto.
— Você é tão parecida com sua mãe, Ji-yeon. — Sua voz era baixa, firme, mas não tão calorosa quanto a da minha mãe costumava ser.
Eu continuei em silêncio, sem saber o que dizer ou como reagir. Não conseguia entender por que ela estava ali ou como sabia meu nome.
Ela então passou a mão suavemente pelo meu cabelo, um gesto que deveria ser reconfortante, mas que só me deixou ainda mais confusa.
— Você sabe quem eu sou?
Eu balancei a cabeça devagar, negando. Não tinha ideia.
Ela se endireitou, ajustando a postura, e então disse:
— Meu nome é Mi-young. Sou sua tia. Irmã da sua mãe.
Minha mente ficou em branco. Tia? Como assim? Eu não sabia que minha mãe tinha uma irmã. Durante toda a minha vida, parecia que éramos só nós: minha mãe, meu pai, Ji-ho e eu. Nunca ninguém mencionou outros parentes.
Eu a encarei, tentando processar o que aquilo significava. Ela sorriu de novo, dessa vez de maneira mais contida, e acrescentou:
— Você não precisa dizer nada agora, querida. Está tudo bem. Mas eu quero que você saiba que a partir de agora, vou cuidar de você. Não está sozinha.
Seus olhos carregavam algo que parecia entre uma promessa e um peso. Mas eu não sabia como acreditar nisso. Ela era uma estranha. Como ela poderia cuidar de mim?
Eu notei que ela estava vestida de preto, um vestido formal e um casaco que parecia ter sido usado por horas, talvez o dia inteiro. Ela parecia cansada, mas ainda impecável. Foi então que percebi: ela provavelmente vinha do funeral dos meus pais.
Como se entendesse meus pensamentos, ela disse suavemente:
— Já cuidei de tudo. Não se preocupe. Está tudo resolvido.
Resolvido? Resolvido como? O que isso significava?
Sem esperar uma resposta minha, ela se levantou, ajeitando o casaco e alisando a saia.
— Vou conversar com os médicos agora. Depois volto para falar com você.
E então saiu pela porta com a mesma firmeza controlada com que entrou, deixando-me ali, sozinha, com mais perguntas do que antes.
Eu olhei para o teto novamente, tentando entender o que aquilo significava. Até agora, tinha assumido que estava sozinha. Que não havia mais ninguém. Então, por que de repente essa mulher aparecia dizendo que cuidaria de mim?
Nada fazia sentido. E, mais uma vez, o silêncio era tudo o que eu tinha.
Ela não voltou naquela noite. Passei as horas seguintes olhando para o teto, o rosto dela ainda preso na minha mente. Algo em sua presença era imponente, quase assustador, mas também tinha um ar de responsabilidade que eu não conseguia entender.
Na manhã seguinte, o médico entrou no quarto com a mesma expressão cuidadosa de sempre, mas agora havia uma certa pressa em seus gestos. Ele carregava um bloco de notas e uma prancheta, e atrás dele estava a mesma mulher da noite anterior — minha tia.
— Ji-yeon, bom dia. — Ele se aproximou, forçando um sorriso que parecia falso. — Como está se sentindo hoje?
Não respondi. Apenas o encarei, imóvel. Era a mesma pergunta de sempre, e a resposta nunca mudava.
Ele não insistiu. Ao invés disso, se virou para Mi-young.
— Ela está fisicamente estável, mas sabemos que precisa de acompanhamento psicológico intensivo. Tivemos progressos antes, mas agora... bom, a situação mudou completamente.
Eu não entendia bem o que eles estavam dizendo, mas percebi o olhar de Mi-young ficando mais rígido.
— O que isso significa para o futuro dela? — A voz dela era firme, quase desafiadora.
O médico suspirou.
— Ela precisa de um ambiente seguro, longe de estímulos negativos. Um lugar onde possa se recuperar emocionalmente, com pessoas que possam oferecer apoio.
— Ela terá isso. — Mi-young cruzou os braços, como se encerrasse o assunto ali.
Mas o médico hesitou.
— Perdoe-me, senhora Mi-young, mas precisamos ser realistas. A recuperação dela depende de tempo, paciência e de um ambiente estável. Não sei se...
— Eu já disse. — Ela o interrompeu, com uma voz que cortava como uma faca. — Ela terá isso comigo. Eu sou a família dela agora.
A palavra "família" ecoou na minha cabeça como um estranho conceito. Até pouco tempo atrás, essa palavra significava outra coisa. Agora, parecia vazia.
Eles conversaram mais um pouco, mas eu não prestei atenção. Estava tentando entender o que aquela mulher realmente queria. Por que ela estava fazendo isso? Era porque se sentia culpada? Porque achava que era sua obrigação?
Quando ela finalmente voltou para perto de mim, puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.
— Ji-yeon, amanhã você vai comigo. Vamos para minha casa. — A declaração foi direta, sem rodeios, como se fosse um fato simples, sem espaço para questionamentos.
Eu a encarei, mas não disse nada. Não podia dizer nada.
Ela suspirou, como se estivesse esperando algum tipo de reação que nunca veio.
— Não vai ser fácil, mas eu prometo que farei o meu melhor. Não sou sua mãe, e nunca serei, mas quero que saiba que está segura comigo.
Havia algo na maneira como ela falou que me fez acreditar que ela realmente pensava estar fazendo o certo. Mas segurança? Essa palavra parecia tão distante quanto "família".
Naquela noite, ela trouxe uma sacola com roupas novas para mim. Enquanto dobrava uma camiseta sobre a cadeira, parecia tentar encontrar as palavras certas para dizer algo, mas desistiu. Apenas me desejou boa noite e saiu, deixando-me sozinha mais uma vez.
O silêncio voltou a preencher o quarto, mas dessa vez parecia mais pesado, como se a ideia de deixar aquele hospital para ir a um lugar desconhecido carregasse um peso que eu ainda não conseguia medir.
E, pela primeira vez, eu me perguntei se o que vinha depois seria melhor ou pior do que tudo o que já tinha passado.
Na manhã seguinte, a tia entrou no quarto acompanhada de uma enfermeira. Suas roupas impecáveis e o perfume forte faziam contraste com o ambiente simples e impessoal do hospital.
— Hora de ir, Ji-yeon. — Ela disse suavemente, mas seu tom carregava uma firmeza inabalável.
A enfermeira começou a me ajudar a vestir as roupas novas que Mi-young trouxera no dia anterior. Eram elegantes demais para alguém como eu, que sempre usou roupas simples, mas não protestei. Não fazia diferença.
Quando saímos do quarto, as enfermeiras que cuidaram de mim nos últimos dias me lançaram olhares mistos de tristeza e alívio. Algumas tentaram sorrir, mas eu não consegui retribuir. Tudo parecia falso.
Mi-young me levou até um carro preto estacionado do lado de fora. O motorista estava à espera, segurando a porta aberta. Ela me guiou até o banco de trás, onde me sentei em silêncio, enquanto ela se acomodava ao meu lado.
— Estamos indo para Seul. — Disse, enquanto ajeitava o cinto de segurança. — Você vai morar comigo agora.
Seul. Eu sabia que era a capital, uma cidade enorme, cheia de prédios e pessoas. Mas para mim, significava algo completamente desconhecido, tão distante quanto o futuro que ela dizia estar me oferecendo.
Quando o carro começou a se mover, olhei pela janela. O hospital foi ficando para trás, e logo a estrada se abriu para a costa. O mar brilhava sob a luz do sol da manhã, o horizonte parecia infinito.
A ilha de Jeju sempre foi o lugar onde minha família viveu. Onde Ji-ho brincava nas areias das praias. Onde minha mãe fazia caminhadas comigo enquanto apontava para as ondas e dizia que o mar era eterno, como o amor. Agora, Jeju era apenas um lugar de lembranças dolorosas, um espaço vazio onde tudo o que eu amava havia se perdido.
As ondas quebrando na costa pareciam querer me prender ali, mas o carro continuava seguindo, cada vez mais distante do mar, levando-me para um mundo que eu não conhecia.
Fiquei observando a linha costeira desaparecer enquanto o carro atravessava as estradas sinuosas. O cheiro salgado do mar começou a dar lugar ao ar seco e poluído da cidade.
Mi-young não falou muito durante o trajeto. Apenas respondia ocasionalmente ao motorista ou checava algo em seu celular. Eu a observei de canto de olho, tentando entender quem ela realmente era. Havia algo nela que parecia tão seguro, tão controlado, mas também frio e distante.
O vasto oceano que deixávamos para trás parecia uma metáfora para tudo o que eu estava perdendo. Minha família. Minha infância. Meu lar.
Por um momento, uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto. Não fiz nada para escondê-la, mas também não emiti nenhum som. Apenas deixei que ela caísse, como se fosse a última despedida que eu poderia oferecer à vida que estava ficando para trás.
E então, virei meu rosto para frente, encarando a estrada à frente.
Tudo o que restava agora era o desconhecido.
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