O tempo passou como uma brisa silenciosa, quase imperceptível. Hoje, olhando para trás, os dias na nova casa pareciam menos assustadores do que quando cheguei. Aos poucos, as peças do quebra-cabeça da minha vida foram se encaixando, mas ainda faltavam algumas, e eu sabia disso.
Soo-min foi o primeiro a quebrar o gelo. Embora nosso início fosse marcado por certa distância, ele logo se tornou o irmão que nunca tive. Estava sempre ao meu lado, me protegendo, mesmo quando eu achava que não precisava. Lembro-me de como ele ria das minhas tentativas de me misturar na escola, me dizendo que eu parecia mais corajosa do que realmente era. Com o tempo, aquela proteção deixou de ser apenas um gesto de obrigação e se tornou algo natural, como se ele realmente quisesse estar ali por mim.
Hyun-woo era diferente. Ele não era tão sério quanto Soo-min, mas tinha uma maneira única de me fazer sentir confortável. Sempre que me sentia sobrecarregada, ele surgia com uma piada ou um comentário que arrancava um sorriso meu, mesmo que tímido. Era como se ele soubesse exatamente o que fazer para aliviar o peso que eu carregava.
Entre os dois, encontrei um espaço onde podia respirar. Eles eram como as âncoras que me mantinham firme, mesmo quando a tempestade da saudade me atingia. A escola, antes um lugar intimidador, tornou-se suportável. Eu não era a garota popular, mas também não era invisível. Algumas pessoas ainda cochichavam sobre mim, mas a presença de Soo-min e Hyun-woo ao meu lado calava qualquer comentário maldoso.
Em casa, as coisas eram mais estáveis do que eu esperava. Mi-young continuava a me tratar com carinho, sempre preocupada com meu bem-estar. Tae-jin, por outro lado, permanecia distante. Eu não sabia ao certo se ele gostava de mim ou apenas tolerava minha presença. Minha avó, no entanto, era uma constante fonte de conforto. Seus abraços eram calorosos, e, às vezes, eu a via me olhando com uma mistura de tristeza e arrependimento.
Mesmo com todos esses laços, a ausência da minha família nunca deixou de doer. Havia momentos em que eu me pegava imaginando como seria se Ji-ho estivesse ao meu lado, rindo comigo, ou se minha mãe ainda estivesse aqui para me ensinar coisas que só uma mãe sabe. A dor era mais silenciosa agora, mas não menos presente.
Esses anos me mudaram. Aos poucos, deixei de ser aquela menina assustada e perdida. Eu ainda não falava, mas aprendi outras formas de me expressar, seja com olhares, gestos ou até mesmo pequenos bilhetes. Não era o suficiente para explicar tudo o que sentia, mas era um começo.

Agora, com 15 anos, sinto que estou no limiar de algo novo. O mundo parece maior, mais complicado, mas também cheio de possibilidades. E, de alguma forma, estou pronta para enfrentá-lo. Afinal, não estou mais sozinha.
Era o que eu achava...
Mas a vida parecia ter outros planos.
Nos últimos meses, a presença constante de Soo-min e Hyun-woo começou a mudar. Eles estavam no ultimo ano agora, e tudo girava em torno de uma palavra que eu ouvia repetidamente: Suneung. A prova que decidiria o futuro deles. Era como se a vida de ambos estivesse suspensa por essa linha invisível, uma linha que os afastava de mim um pouco mais a cada dia.
Soo-min ainda tentava se fazer presente, mas seus horários eram preenchidos por aulas extras, simulados e estudos intensivos até tarde da noite. Hyun-woo, que sempre fora a energia leve e descontraída do grupo, agora tinha o rosto marcado pelo cansaço. Os dois queriam ser médicos, assim como os pais de Hyun-woo, e faziam questão de entrar na mesma faculdade. Era algo que compartilhavam e que eu nunca conseguiria alcançar.
No começo, eu tentava ignorar a sensação de perda. Afinal, eles ainda estavam ali, certo? Mas logo ficou claro que seria diferente. Eles mal tinham tempo para conversar comigo, e, na escola, a maior parte do tempo deles era dedicada a grupos de estudo e professores particulares.
— Eu vou te deixar na sala hoje, mas só porque tenho que falar com o professor depois — Soo-min disse uma manhã, enquanto andávamos juntos. — Não vou conseguir te buscar depois. Hyun-woo e eu vamos direto pra biblioteca.
Eu apenas assenti, segurando a alça da minha mochila com força. Ele nem percebeu.
Pela primeira vez em anos, eu estava verdadeiramente sozinha. Os olhares curiosos e, às vezes, maldosos, voltaram a me encontrar. Sem Soo-min ou Hyun-woo por perto, as meninas que antes me ignoravam pareciam ganhar coragem para se aproximar — não para serem minhas amigas, mas para sussurrar palavras que eu não precisava ouvir.
— Você acha que ela realmente se dá bem com eles? — ouvi uma vez, na hora do intervalo.
— Ela só está com eles porque é da família. Aposto que eles nem querem ficar perto dela.
Eu fingia que não me importava, mas era difícil. Sem alguém para me proteger, parecia que todas as coisas que eu havia aprendido a ignorar vinham à tona novamente.
O vazio também estava em casa. Soo-min passava horas no quarto, mergulhado nos livros, e, mesmo quando Mi-young tentava me distrair com suas conversas, eu sabia que ela estava preocupada com ele. Até minha avó parecia mais distante, passando mais tempo no templo do que comigo.
Era estranho, como se, de repente, eu estivesse de volta àquela sensação de solidão que senti quando cheguei. Dessa vez, porém, era diferente. Eu não era mais a mesma menina de 12 anos. Eu sabia que precisava encontrar uma maneira de lidar com aquilo sozinha.
Eu me perguntava se, quando eles passassem no Suneung e fossem para a faculdade, isso seria permanente. Será que eu aprenderia a ser completamente independente? Será que a vida estava tentando me ensinar que, no final, só posso contar comigo mesma?
Enquanto essas perguntas rondavam minha mente, o vazio crescia. Mas, ao mesmo tempo, algo novo surgia. Talvez fosse força. Talvez fosse apenas teimosia. Não sabia ao certo. Mas sabia que, de alguma forma, precisava continuar. Mesmo que isso significasse enfrentar tudo sozinha.
Os meses passaram como uma brisa que, embora suave, carregava algo de melancolia. Soo-min e Hyun-woo, com todo o esforço e dedicação, passaram no tão temido Suneung. A comemoração foi discreta, mas havia sorrisos de alívio nos rostos deles e de Mi-young. A faculdade que eles escolheram era a Universidade Nacional de Seul (SNU), a melhor do país para medicina.
Apesar de não ser tão longe, a decisão de morar no dormitório veio logo em seguida. Os dois disseram que seria mais prático e que aproveitariam melhor os recursos do campus. Eles prometeram voltar nos fins de semana, mas, no fundo, eu sabia que a frequência dessas visitas dependeria de quão ocupados estariam.
No dia da partida deles, a casa estava silenciosa. Soo-min me deu um sorriso enquanto colocava as últimas malas no carro.
— Cuida bem da Mi-young e da vovó pra mim, tá?
Eu assenti, como sempre fazia, mas desta vez senti um aperto no peito. Ele parecia tão animado, tão pronto para uma nova vida, que não quis demonstrar que eu me sentia sendo deixada para trás.
Hyun-woo se aproximou, aquele sorriso descontraído de sempre no rosto.
— Ei, Ji-yeon, promete que não vai esquecer de mim, hein?
Mesmo se Soo-min esquecer, eu venho te visitar.
Eu queria responder, mas apenas sorri de leve, tentando parecer tranquila.
Quando o carro se afastou, fiquei na calçada por um tempo, observando até que desaparecesse na estrada. Era como se mais uma parte do meu mundo estivesse sendo arrancada. Agora, com 16 anos e no segundo ano do ensino médio, um novo capítulo estava começando.
O início do ano letivo trouxe consigo uma mistura de ansiedade e curiosidade. Eu não sabia exatamente o que esperar. Sem Soo-min e Hyun-woo por perto, tudo parecia mais desafiador. Agora, eu precisava encarar a escola sem aquele escudo que eles sempre haviam sido.
Mas, ao mesmo tempo, algo em mim começou a mudar. Talvez fosse o peso da ausência deles, ou talvez fosse apenas o tempo me moldando. Eu me sentia mais observadora, mais atenta aos detalhes ao meu redor. Comecei a perceber coisas que antes ignorava.
Na escola, os comentários maldosos diminuíram, mas não desapareceram completamente. Algumas meninas ainda me lançavam olhares enviesados, mas, no geral, eu parecia estar aprendendo a me camuflar. Eu ainda era a garota silenciosa, mas agora havia uma determinação nova em meu silêncio.
Na casa, Mi-young parecia mais leve sem Tae-jin, que passava mais tempo fora em viagens de negócios. Vovó continuava sua rotina de idas ao templo, mas seus olhares para mim eram cada vez mais carregados de uma mistura de carinho e arrependimento.
Foi numa dessas manhãs, enquanto tomávamos café, que vovó comentou algo que me deixou intrigada.
— Você tem o mesmo olhar da sua mãe... — disse ela, quase como se falasse para si mesma. — Forte, mas tão silencioso.
Eu a encarei, tentando entender. Ela raramente falava sobre minha mãe, e, quando o fazia, parecia carregada de tristeza. Mi-young rapidamente mudou de assunto, mas as palavras de vovó ficaram comigo.
O ano estava apenas começando, mas eu sentia que ele traria respostas que eu nem sabia estar procurando. Algo em mim dizia que aquele silêncio, que tanto carregava, seria quebrado — e não seria de maneira sutil.
O final da tarde tinha um ar denso e abafado, como se o mundo estivesse segurando a respiração. A escola estava quase vazia quando decidi caminhar para casa sozinha, aproveitando a solidão para organizar os pensamentos. No entanto, antes de cruzar os portões, fui cercada por três garotas que nunca me dirigiram a palavra antes.
— Ei, Ji-yeon, não acha que é muita sorte sua morar com aquele deus grego do Soo-min? — disse uma delas, forçando um sorriso cheio de malícia.
Outra deu uma risadinha amarga.
— Talvez seja porque ela é uma coitada. A gente sabe sobre você, Ji-yeon. Sabe que seus pais... — ela hesitou, antes de olhar para a líder do grupo, que completou sem piedade: — ...se mataram.
A última garota parecia nervosa, mas sussurrou:
— A empregada da minha casa contou que ouviu da sua empregada que seus pais se suicidaram. Sabe o que ela disse? Que você devia estar morta também.
Meu corpo congelou. As palavras eram como facas que me perfuravam, uma por uma...
Minhas mãos tremiam enquanto elas riam, como se minha dor fosse uma piada para preencher o tédio de suas vidas.
— O que foi? Não vai falar nada? — provocou a primeira, empurrando-me de leve.
Era a voz de Soo-min.
Antes que pudesse pensar, senti algo crescendo dentro de mim, como um vulcão prestes a entrar em erupção. Meus olhos se levantaram lentamente para encará-las, e, antes que percebesse, as palavras saíram:
— Calem a boca!
Minha voz foi alta e clara, cortando o ar como uma lâmina. Elas ficaram imóveis, os olhos arregalados de choque. Eu nunca havia falado antes. Não com elas. Não com ninguém além da minha família.
Peguei minha mochila do chão com um movimento firme e me afastei, deixando-as para trás. Cada passo parecia mais pesado, mas dentro de mim, algo estava diferente. Eu havia gritado. Eu havia reagido. Eu havia falado! Enquanto caminhava para casa, os pensamentos vinham em ondas, me afogando. Parte de mim estava aterrorizada. O que eu havia feito?
Outra parte, no entanto, sentia uma centelha de orgulho. Eu não era fraca. Talvez estivesse quebrada, mas ainda era capaz de lutar.
Quando cheguei em casa, Mi-young estava na cozinha, lavando algo na pia. Ao me ver entrar, ela sorriu, como sempre fazia.
— Ji-yeon, como foi o seu dia?
Por um instante, hesitei. Normalmente, eu responderia com um gesto de cabeça ou um simples olhar. Mas, desta vez, algo em mim não quis se esconder.
— Foi... normal.
Minha voz saiu baixa, quase como um sussurro, mas clara o suficiente para ser ouvida. Mi-young parou imediatamente, deixando o prato que segurava cair de volta na água com um splash. Ela se virou para mim, surpresa.
— O quê? O que você disse?
Eu a encarei, tentando entender sua reação.
— Foi normal — repeti, um pouco mais firme.
Os olhos dela se encheram de lágrimas. Ela colocou as mãos sobre a boca, como se estivesse tentando conter um grito de surpresa, e depois veio até mim, me abraçando com força.
— Oh, Ji-yeon... você falou! Você falou comigo!
Eu fiquei imóvel em seus braços, sem saber como reagir. Parte de mim queria fugir, mas outra parte sentiu um calor estranho. Pela primeira vez, algo que eu disse parecia ter causado alegria em alguém.
Enquanto ela me abraçava, só consegui pensar: "Será que falar é o começo de algo novo?"
O abraço de minha tia, apertado e cheio de sentimentos, parecia ter demorado uma eternidade, mas ao mesmo tempo, foi breve demais. Quando ela finalmente se afastou, havia algo de novo no rosto dela: uma mistura de surpresa e alívio.
— Você não faz ideia de como isso é importante, Ji-yeon. — A voz dela estava carregada, quase sufocada pelas emoções.
Eu não soube como responder. Tentei encontrar palavras, mas elas ficaram presas em algum lugar dentro de mim. Apenas assenti, desviando o olhar. Mi-young sorriu, mesmo com os olhos ainda brilhando de lágrimas não derramadas.
Ela pareceu ponderar se deveria dizer mais alguma coisa, mas, por fim, apenas me deu espaço.
— Vou deixar você descansar. Hoje foi um dia especial, e você merece.
Fechei a porta do quarto atrás de mim e me joguei na cama, encarando o teto. As palavras que aquelas meninas haviam dito ainda ecoavam na minha mente: “Seus pais se suicidaram... Você devia estar morta também.”
Eu sentia como se estivesse caindo em um poço escuro e sem fundo, mas, de repente, algo dentro de mim resistiu à queda. “Não deixe ninguém te intimidar.” A voz de Soo-min ecoava na minha memória, forte e firme. Pela primeira vez, eu havia reagido. Pela primeira vez, havia enfrentado algo.
E eu falei.
Essa realização era tão estranha quanto assustadora. A minha voz, aquele som que eu mesma quase tinha esquecido, havia rompido o silêncio.
Adormeci ali, abraçada ao travesseiro, a cabeça girando com pensamentos conflitantes.
Algum tempo depois, fui despertada pelo som do portão da casa se abrindo e, logo em seguida, passos apressados. Levantei-me devagar, ainda sonolenta, mas quando olhei para a porta do quarto, eles estavam lá: Soo-min e Hyun-woo, ambos parados, me observando em silêncio.
O olhar de Soo-min era incrédulo. Ele deu um passo à frente.
— Você falou?
Antes que eu pudesse responder, Hyun-woo, com os olhos arregalados, completou:
— Você realmente falou?
Sentei-me na cama, confusa com a intensidade dos dois. Eles pareciam... felizes. Por mim.
De repente, senti algo diferente, quase involuntário, surgir dentro de mim. Olhei para eles e, com um sorriso tímido, deixei as palavras saírem:
— Sim. Eu falei.
Soo-min trocou um olhar animado com Hyun-woo, como se quisesse confirmar que estavam mesmo ouvindo aquilo. Então, ele sorriu, largo e verdadeiro, algo que eu não via há muito tempo.
— Essa é a sua voz... — disse Hyun-woo, com o rosto iluminado. — Sempre quisemos ouvir você falar.
Eles pareciam genuinamente felizes, como se eu tivesse alcançado um marco importante. Mas, por dentro, eu ainda me perguntava se eles realmente se importavam tanto assim, ou se era apenas mais um peso que eu carregava.
A mesa estava mais cheia do que o habitual naquela noite. Soo-min e Hyun-woo haviam se juntado a nós, e o clima parecia diferente, leve e descontraído. Minha avó estava alheia ao que acontecia, concentrada na comida, mas Mi-young estava radiante, como se estivesse guardando um segredo precioso.
Quando terminamos de comer, Mi-young finalmente quebrou o mistério, olhando para minha avó com um sorriso que mal conseguia conter.
— Você não vai acreditar no que aconteceu hoje.
Minha avó ergueu os olhos, curiosa.
— O que foi?
Mi-young segurou minha mão, olhando para mim com orgulho.
— Ji-yeon falou hoje.
O garfo caiu da mão da minha avó, o barulho ressoando pela sala.
— Falou? — ela repetiu, como se não pudesse acreditar.
Assenti levemente, encolhendo os ombros. Minha avó se levantou devagar e veio até mim, o rosto incrédulo se suavizando em um sorriso que eu não via há muito tempo.
— Minha menina... — ela sussurrou, apertando minha mão. — Estou tão feliz.
Mas, mesmo em meio àquele momento, algo na expressão dela mudou por um breve instante. Era algo quase imperceptível: culpa.
Mi-young tentou manter a alegria no ar.
— Acho que devemos levá-la ao médico, só para garantir que está tudo bem
Concordaram com a cabeça, e eu não questionei. Mas, por dentro, me sentia como uma peça de um quebra-cabeça que ninguém sabia onde encaixar.
Depois do jantar, Soo-min e Hyun-woo me levaram até o balanço, atrás da casa. Era o mesmo lugar onde Soo-min havia me trazido uma vez, anos atrás, em um momento de silêncio e compreensão.
Sentei-me no balanço enquanto os dois ficaram de pé, observando-me. O vento passava por nós, frio e carregado de perguntas não ditas.
Hyun-woo ficou em silêncio, mas eu sabia que ele também queria saber. Ambos me olhavam com uma mistura de curiosidade e preocupação, mas eu não tinha respostas para dar.
— Não foi nada — respondi, finalmente, balançando a cabeça.
Soo-min se ajoelhou na minha frente, os olhos nos meus.
— Você nunca falou antes, Ji-yeon. Algo aconteceu, e você pode nos contar.
Olhei para ele, depois para Hyun-woo, e senti o peso da confiança que eles depositavam em mim. Mas eu não podia contar. Não ainda.
— Foi só um impulso — menti, desviando o olhar.
Eles não pareceram convencidos, mas decidiram não pressionar. Em vez disso, ficaram ali comigo, em silêncio, enquanto o balanço rangia lentamente.
Após aquela noite memorável, a rotina voltou ao que era antes. Soo-min e Hyun-woo retornaram para a faculdade, e eu fiquei sozinha com meus pensamentos. Como prometido, minha tia me levou ao médico para avaliar o impacto daquele momento.
No consultório, o médico me observou com atenção, lendo o relatório do caso e, em seguida, voltando o olhar para minha tia.
— Ji-yeon está se recuperando de um trauma psicológico significativo. — Ele ajeitou os óculos, falando com cautela. — O silêncio era uma forma de defesa, um modo de sua mente processar o que aconteceu sem enfrentá-lo diretamente. O fato de ela ter falado é um sinal positivo, mas essa recuperação é delicada e precisa ser tratada com cuidado.
Minha tia assentiu, preocupada.
— O senhor acha que ela precisa de terapia?
— A terapia pode ajudar, mas o apoio emocional da família é fundamental — respondeu ele. — Não a pressione. Deixe que ela fale quando se sentir à vontade. O processo é gradual.
Saímos do consultório em silêncio, mas as palavras do médico ecoavam dentro de mim. Trauma psicológico. Era difícil dar um nome para algo que eu sentia tão profundamente, mas não conseguia descrever.
Na sexta-feira, enquanto caminhava para a escola, pensava na promessa de Soo-min e Hyun-woo de estarem de volta naquele fim de semana. Era estranho sentir falta deles, mas também reconfortante saber que logo os veria.
No fim do dia, quando as aulas terminaram, saí pelos portões da escola, pronta para seguir meu caminho habitual. Foi quando ouvi as vozes.
— Olha só, lá vai a esquisita! — gritou uma garota, provocando risos das outras.
Continuei andando, tentando ignorar. Era sempre assim: comentários cruéis, risadinhas. Mas naquele dia, elas decidiram ir além.
— Aposto que nem sua família te quer! — outra garota gritou. — Por isso seus pais te deixaram.
Aquelas palavras me cortaram como facas, mas mantive o olhar fixo à frente. Não ia dar a elas a satisfação de verem que haviam me atingido.
— Ei, Ji-yeon! — disse uma delas, correndo até ficar ao meu lado. — Você sabe que devia ter morrido também, né? Assim como seus pais!
O sangue gelou em minhas veias, mas continuei caminhando, tentando controlar a raiva e a dor. Foi então que algo me fez parar: bem à minha frente, Soo-min e Hyun-woo estavam ali, parados, me olhando.
Eles tinham ouvido tudo.
Fiquei imóvel, meu coração disparado. Soo-min estava sério, os punhos cerrados, enquanto Hyun-woo olhava para as garotas com incredulidade. O silêncio era pesado, sufocante. Eu não sabia o que dizer, mas o peso da vergonha me dominou.
Sem pensar duas vezes, virei-me e corri.
Corri até a casa, o peito queimando de tanta emoção. Entrei sem olhar para ninguém e subi as escadas, trancando-me no quarto. Meu coração batia tão rápido que parecia que ia explodir.
Ouvi passos apressados atrás de mim. Soo-min e Hyun-woo tinham vindo atrás de mim e agora batiam na porta.
— Ji-yeon, abre a porta! — a voz de Soo-min estava firme, mas havia uma preocupação genuína ali. — Precisamos conversar.
— Por favor, deixa a gente entrar. — Hyun-woo tentou, mais suave. — Não queremos que você fique assim sozinha.
Mas eu não respondi. Permaneci sentada no chão, abraçando meus joelhos, o som das palavras cruéis das meninas ainda ecoando em minha mente.
Depois de um tempo, ouvi a voz da minha tia.
— Ji-yeon, sou eu. Por favor, me deixa entrar.
Aproximei-me da porta e a destranquei. Quando ela entrou, sentou-se ao meu lado no chão, seus olhos cheios de preocupação e ternura.
— Soo-min me contou o que aconteceu — disse ela. — Por que você não me disse nada antes?
Eu não respondi. Apenas fiquei ali, sentindo-me sufocada pelo peso de tudo. Então, minha tia segurou minhas mãos e continuou:
— O que aquelas garotas disseram sobre seus pais... — a voz dela falhou por um instante. — Não foi sua culpa, Ji-yeon. Nunca foi sua culpa.
Olhei para ela, meus olhos cheios de lágrimas.
— Então por que eles fizeram isso? Por que me deixaram?
Ela respirou fundo, lutando para encontrar as palavras certas.
— Eles não queriam te deixar, Ji-yeon. — Seus olhos estavam marejados agora. — A perda do seu irmão... Foi demais para eles. O Ji-ho era o mundo deles, e quando ele... — ela pausou, tentando conter o choro. — Quando ele se foi, eles se perderam.
Minha tia ainda segurava minhas mãos com firmeza, e, por um momento, parecia que o mundo inteiro havia parado. As palavras dela, o tom reconfortante, a verdade sobre os meus pais... tudo isso parecia se acumular dentro de mim, formando uma tempestade que eu não conseguia mais conter.
Era como se anos de dor, de silêncio, de perguntas sem respostas, tivessem ficado trancados em um lugar tão profundo que eu mesma havia esquecido que estavam ali. Mas agora, o peso era insuportável.
Eu tentei engolir o nó na garganta, mas ele só crescia. Minha respiração ficou pesada, e o calor das lágrimas que brotaram nos meus olhos foi impossível de ignorar.
— Eu... — tentei dizer alguma coisa, mas as palavras não saíram. Em vez disso, um soluço inesperado rompeu o silêncio.
Minha tia me puxou para um abraço, um abraço tão apertado que parecia querer juntar todas as partes quebradas de mim.
— Solta, Ji-yeon. Não precisa segurar mais. — A voz dela era suave, mas firme.
E eu não segurei mais...
O choro veio como uma onda, incontrolável e avassalador. Cada lágrima parecia carregar um pedaço da dor que eu havia guardado por tanto tempo. Solucei como uma criança pequena, como se todo o sofrimento e medo que eu havia acumulado finalmente tivessem encontrado uma saída.
Minha tia não disse nada. Apenas ficou ali, me abraçando, deixando que eu chorasse até não sobrar mais nada. A textura macia do tecido da blusa dela absorvia minhas lágrimas enquanto ela acariciava meu cabelo, murmurando palavras de conforto que mal consegui ouvir entre os soluços.
Do lado de fora, os passos de Soo-min e Hyun-woo eram quase inaudíveis. Eu sabia que eles ainda estavam ali, mas eles respeitaram meu momento, ficando em silêncio.
Soo-min, mesmo sem dizer nada, sentiu algo se quebrar dentro dele ao ouvir meu choro. Ele sempre se colocava como uma muralha, um protetor, mas, naquele instante, ele não conseguiu evitar as lágrimas que escorreram pelo seu rosto. Discretamente, virou-se para Hyun-woo, que colocou uma mão no ombro dele.
— Ela vai ficar bem, Soo-min — disse Hyun-woo baixinho, tentando consolá-lo.
Soo-min apenas balançou a cabeça em silêncio, limpando os olhos rapidamente. Ele nunca havia visto Ji-yeon tão vulnerável, e isso o atingia mais do que queria admitir.
Dentro do quarto, tudo o que eu podia sentir era o calor do abraço da minha tia. Por um momento, foi como se eu tivesse voltado no tempo, para um lugar onde tudo era mais simples. Ela parecia tão parecida com minha mãe naquele instante — a forma como me segurava, como murmurava palavras suaves.
E talvez fosse isso o que me fez finalmente dizer:
— Eu sinto tanto a falta deles...
Minha tia me apertou ainda mais forte.
— Eu sei, meu amor. Eu sei. Mas você não precisa enfrentar isso sozinha. Eu estou aqui. Sempre estarei.
Aquelas palavras perfuraram algo dentro de mim, como uma verdade que eu não sabia que precisava ouvir. Foi quando percebi: ela era como uma segunda mãe para mim. De um jeito diferente, mas igualmente verdadeiro.
O choro diminuiu aos poucos, e tudo que restou foi um cansaço profundo, mas também uma sensação de leveza que eu não sentia há muito tempo.
Minha tia enxugou meu rosto com delicadeza, olhando para mim com um sorriso que, mesmo cansado, parecia cheio de amor.
— Você está indo muito bem, Ji-yeon. Estou tão orgulhosa de você.
Eu respirei fundo, ainda sentindo o peso das emoções, mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim parecia ter sido aliviado.
Foi só então que, em meio ao silêncio que se instalou, eu consegui perguntar:
— Tia... Por que minha mãe nunca falou de vocês?
A pergunta parecia pesar no ar. Minha tia abaixou os olhos, como se estivesse buscando coragem.
— Sua mãe... Ela se afastou da nossa família há muito tempo, Ji-yeon. Tivemos nossas diferenças, coisas que deveriam ter sido resolvidas, mas nunca foram. Quando ela conheceu seu pai, decidiu começar uma nova vida, longe de tudo isso.
Eu absorvia cada palavra, sentindo como se estivesse tentando montar um quebra-cabeça cujas peças estavam todas misturadas.
— Isso quer dizer que ela... que ela não queria agente perto de vocês?
Minha tia imediatamente segurou meu rosto com as mãos, o olhar dela firme, mas terno.
— Não. Nunca foi isso. Sua mãe amava você e o Ji-ho mais do que qualquer coisa neste mundo. O afastamento foi por causa de mágoas antigas, mas nada disso era sobre você.
Havia uma dor no olhar dela, algo que parecia profundo, mas que ela mantinha escondido. Era como se não quisesse dizer mais do que o necessário.
— Então... o que aconteceu? — minha voz era um sussurro, mas carregava todo o peso das perguntas que vinham me atormentando.
Minha tia desviou o olhar por um momento, como se buscasse forças para responder. Quando voltou a me olhar, parecia cuidadosamente medir as palavras.
— Sua mãe... ela era muito forte, mas também muito orgulhosa. — Ela respirou fundo, como se cada palavra carregasse uma memória dolorosa. — Ela se afastou porque acreditava que precisava proteger a nova vida que estava construindo. Não foi uma decisão fácil, Ji-yeon.
Eu podia sentir que havia mais naquela história, mas algo na postura dela me dizia que esse não era o momento de perguntar.
— Ela nunca falou sobre vocês. Nem uma vez.
Minha tia pareceu hesitar, os lábios tremendo ligeiramente antes de ela responder.
— Talvez porque falar sobre nós trouxesse mais dor do que ela queria carregar.
Ela apertou minhas mãos, o gesto cheio de carinho.
— Eu sei que deve ser difícil entender isso agora, mas quero que você saiba que sua mãe fez o que acreditava ser melhor para você e para o Ji-ho. E quero que saiba também que, enquanto eu estiver aqui, você nunca mais vai precisar carregar nada sozinha.
Essas palavras me atingiram como uma onda. Eu sentia um misto de alívio e dor, como se um peso tivesse sido tirado dos meus ombros, mas outro, mais profundo, ainda permanecesse.
— Não foi sua culpa, Ji-yeon. Nada disso foi sua culpa.
O nó na minha garganta que estava preso há tanto tempo estava se desfazendo. Senti as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, e dessa vez eu não tentei segurá-las.
Dentro do quarto, quando meu choro começou a diminuir, minha tia afastou alguns fios de cabelo molhados do meu rosto e sorriu suavemente.
— Isso, Ji-yeon. Deixe sair. Você não precisa mais guardar tudo para si.
Eu a abracei de volta com toda a força que tinha, como se ela fosse a única âncora no caos que era minha mente. Pela primeira vez em muito tempo, senti que talvez pudesse começar a me curar.
Depois de algum tempo, minha tia se levantou e me deu um último olhar antes de abrir a porta. Soo-min e Hyun-woo rapidamente se colocaram de pé, tentando parecer que não estavam ouvindo.
— Sejam gentis com ela — disse minha tia antes de sair, olhando para os dois como quem confia a eles uma missão importante.
Soo-min entrou primeiro, seguido por Hyun-woo. Eles ficaram ali, parados por um momento, sem saber exatamente o que dizer. Até que Soo-min, como sempre, quebrou o silêncio.
— Olha só, primeiro você começa a falar, agora está chorando... Qual vai ser a próxima novidade, hein?
Eu não consegui evitar um sorriso, apesar do peso que ainda sentia no peito. Hyun-woo apenas balançou a cabeça, mas havia um sorriso suave nos lábios dele também.
— Estamos aqui, Ji-yeon. Não importa o que aconteça — disse ele com sinceridade.
Eu os olhei, sentindo uma estranha mistura de gratidão e desconforto. Mas, por algum motivo, suas presenças eram reconfortantes. Mesmo com todos os mistérios e dores, eu não estava mais sozinha.
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