Quando eu era pequena, costumava pensar que nossa família era como o céu que via todas as manhãs da janela: vasto, bonito e perfeito, sem nenhuma nuvem. Éramos só nós quatro, vivendo nossa vida tranquila na pequena vila de Seogwipo, na ilha de Jeju. Nossa casa ficava a poucos passos do mar, e o cheiro de sal e algas era tão comum quanto o arroz na mesa do jantar.
Meu pai, um contador, sempre dizia que números eram como amigos: confiáveis e constantes. Ele passava boa parte do tempo em casa, trabalhando em sua mesa de madeira, com papéis espalhados por todos os lados. Quando o trabalho estava calmo, ele costumava brincar com Ji-ho, meu irmão de 7 anos, que adorava escalar o colo dele como se fosse uma montanha.
Minha mãe era professora na escola da vila. Tinha um jeito carinhoso e firme, que fazia com que todos a admirassem. Mas havia algo nela que me deixava curiosa: sempre que perguntávamos sobre sua família, ela mudava de assunto.
— Mãe, como era sua mãe? — perguntei uma vez, enquanto a ajudava a lavar a louça.
Ela parou por um momento, o olhar perdido na janela, onde o mar brilhava à luz do sol.
— Ela era uma mulher maravilhosa, Ji-yeon. Forte e generosa. — Sua voz era suave, mas havia algo mais ali, algo que eu não entendia.
— E... e o resto da família? — insisti, curiosa.
Minha mãe apenas sorriu e apertou minha mão.
— Somos só nós agora, querida. E isso é mais do que suficiente.
Eu nunca perguntei de novo. Não precisava. Para mim, bastava saber que éramos felizes juntos.
Apesar de não sermos ricos, nossa vida era confortável. Meu pai sempre dizia que o importante era o amor que tínhamos. E ele e minha mãe eram o exemplo perfeito disso. Sempre riam juntos, mesmo nas pequenas coisas, como quando ela esquecia de colocar sal no ensopado e ele dizia que o prato estava "perfeitamente saudável".
Ji-ho, meu irmão, era um furacão de energia. Ele vivia correndo pela casa com sua espada de madeira, fingindo ser um guerreiro, enquanto eu, mais calma, preferia desenhar no meu caderno.
— Ji-yeon! — ele gritou uma vez, entrando no meu quarto sem bater. — Quer brincar de pirata?
— De novo? — resmunguei, segurando o lápis.
— Vamos lá! Eu sou o capitão, e você é minha ajudante! — Ele estava tão empolgado que não consegui dizer não.
Momentos como esses eram o que tornavam nossa casa tão especial. Não importava o que acontecesse, sempre havia risadas e amor.
Mas, às vezes, eu ouvia meus pais conversando em voz baixa. Eles achavam que Ji-ho e eu não percebíamos, mas era difícil ignorar os sussurros na sala à noite.
— As contas estão apertadas este mês. — Meu pai dizia, com a voz pesada.
— Podemos economizar mais. Talvez eu pegue mais algumas aulas. — Minha mãe respondia, sempre prática.
— Não quero que as crianças sintam. Eles não precisam saber...
E, de fato, nunca sentimos. Eles faziam questão de proteger nossa pequena bolha de felicidade. Mesmo quando as dificuldades apareciam, meu pai fazia piadas, e minha mãe cantava enquanto cozinhava, como se nada pudesse abalar nosso mundo.
Agora, olhando para trás, percebo que havia sombras que eu era jovem demais para ver. Pequenos segredos e preocupações que ficavam escondidos nas entrelinhas. Mas, naquela época, tudo o que eu via era o brilho de uma família perfeita. Nós éramos felizes, e eu acreditava que sempre seríamos assim.
Aquele dia começou como qualquer outro. Era uma tarde clara, o sol brincava de se esconder entre as nuvens, e o vento trazia o cheiro do mar até o parquinho onde Ji-ho e eu costumávamos esperar por nossa mãe. Meu pai tinha o hábito de terminar seu trabalho cedo às sextas-feiras e nos levar até lá, onde ficávamos brincando até a hora dela chegar da escola. Era o nosso momento especial.
Ji-ho estava empolgado, como sempre. Ele correu até o balanço, gritando para mim enquanto eu me sentava em um dos bancos de madeira.
— Noona! Vamos brincar de tag! — Ele usou a palavra coreana: sumbakkokjil.
— Estou cansada, Ji-ho. Você corre muito rápido — respondi, rindo, mas sem me mover.
Outras crianças da vila se juntaram a ele, rindo alto e correndo pelo parquinho. Eu observava de longe, enquanto meu pai lia um jornal no banco ao lado.
— Você não vai se juntar a eles? — ele perguntou, dobrando o jornal e me olhando com um sorriso.
— Ele já me ganha todas as vezes. Prefiro ficar aqui. — Cruzei os braços, fingindo indignação.
Meu pai riu e voltou a observar Ji-ho, que agora perseguia as outras crianças com um sorriso tão largo que fazia seus olhos quase desaparecerem.
Foi então que vi minha mãe ao longe, caminhando pela rua. Ela sempre parecia cansada ao fim do dia, mas o sorriso no rosto dela ao nos ver era inconfundível.
— Ji-ho, sua mãe chegou! — meu pai gritou, levantando-se.
Mas Ji-ho não ouviu. Ele estava muito entretido na brincadeira, perseguindo um dos meninos que riu alto e mudou de direção rapidamente. Sem pensar, Ji-ho fez uma curva brusca e começou a correr na direção onde eu estava, ainda rindo, sem perceber o perigo que se aproximava.
— Ji-ho, cuidado! — gritei, desesperada, ao perceber o carro vindo pela rua.
Ele não olhou para trás. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ouvi o barulho ensurdecedor de pneus freando, seguido por um silêncio aterrador.
Meu coração parou. Meu pai largou o jornal no chão e correu na direção do som.
Quando levantei, vi minha mãe ao longe, correndo desesperada pela rua. Ela gritava com todas as forças:
— Ji-ho! Ji-ho!
Minha visão se turvou enquanto corria atrás do meu pai. Quando alcancei a rua, meu mundo parou.
Meu irmão estava deitado no asfalto, imóvel. Uma bicicleta tombada ao lado. O motorista do carro estava parado, pálido e sem saber o que fazer. Meu pai estava ajoelhado ao lado de Ji-ho, as mãos tremendo enquanto tentava chamar por ele.
— Ji-ho, acorde! — a voz dele era um misto de pânico e incredulidade.
Minha mãe chegou logo em seguida, caindo de joelhos ao lado de Ji-ho.
— Não! Não! Meu bebê! — ela gritou, segurando o rosto dele com as mãos. Lágrimas escorriam pelos olhos dela enquanto sua voz se desfazia em soluços.
Eu fiquei ali, paralisada, sem conseguir me mover ou falar. Era como se meu corpo não entendesse o que estava acontecendo.
Logo, uma ambulância chegou. Eu me lembro do som da sirene, mas parecia tão distante. Os paramédicos colocaram Ji-ho em uma maca e o levaram para dentro do veículo. Minha mãe entrou com ele, e meu pai segurou minha mão com força, como se tivesse medo de que eu também desaparecesse.
Tudo depois disso pareceu um borrão. Não lembro exatamente quem nos levou ao hospital ou quanto tempo demorou até chegarmos lá. O carro parecia pequeno demais para o tamanho da minha angústia, e o silêncio ao meu redor era tão sufocante.
Eu não conseguia falar. Minha garganta estava seca, como se as palavras tivessem ficado presas em algum lugar dentro de mim, junto com o grito que nunca saiu. Apenas segurei a barra do casaco do meu pai, que parecia não saber o que fazer com as mãos, apertando e soltando o volante enquanto dirigia apressado.
Quando finalmente chegamos, eu fiquei ali, parada na entrada do hospital.
— Ji-yeon, vem cá — meu pai tentou me puxar, mas minhas pernas não se mexiam.
O ar tinha cheiro de álcool e remédios, e as luzes brancas pareciam muito fortes, como se estivessem zombando da escuridão que eu sentia por dentro. Tudo era errado naquele lugar.
Uma enfermeira apareceu e tentou acalmar minha mãe, mas ela estava inconsolável. Eu a ouvi chorando alto enquanto tentava explicar:
— Meu filho... Ele... Por favor, salvem ele! Por favor!
Meu pai passou por mim e seguiu para onde os médicos haviam levado Ji-ho. Eu fiquei sozinha por alguns minutos, ou pelo que pareceu uma eternidade. As paredes pareciam se fechar ao meu redor, e eu queria gritar, mas minha voz não vinha.
Finalmente, meu pai voltou e me pegou no colo. Eu nunca o tinha visto chorar antes.
— Vamos ver seu irmão, Ji-yeon. Ele precisa de você — disse ele com a voz embargada.
Fomos conduzidos a uma sala cheia de máquinas que faziam barulhos estranhos. Ji-ho estava lá, deitado em uma cama enorme para o seu corpo pequeno. Seu rosto estava quase coberto por faixas, e um tubo estranho saía de sua boca. Ele parecia tão frágil, tão diferente do menino que corria pelo parquinho há apenas algumas horas.
Minha mãe estava ajoelhada ao lado dele, segurando sua mão pequena entre as suas, como se pudesse protegê-lo de qualquer coisa. Ela olhou para mim e tentou sorrir, mas seus olhos estavam vermelhos e inchados.
— Ji-yeon, venha aqui — ela chamou, com a voz falhando.
Mas eu não consegui me mover. Não consegui olhar para Ji-ho por mais de alguns segundos antes de sentir minha respiração falhar.
— Ji-yeon, está tudo bem... Ele vai melhorar... Ele vai... — a voz da minha mãe quebrou no final, como se ela também não acreditasse no que dizia.
Meu pai me segurou com força, mas eu senti as lágrimas dele caindo em meu cabelo.
Eu queria falar. Queria perguntar se Ji-ho estava sentindo dor, queria dizer que o amava, queria prometer que tudo ficaria bem. Mas tudo o que consegui fazer foi apertar os punhos, segurando o choro, enquanto um vazio enorme tomava conta de mim.
Os médicos apareceram e pediram que saíssemos. Minha mãe resistiu, mas meu pai a puxou gentilmente para fora da sala.
Foi no corredor que o diagnóstico veio. Uma médica de voz calma, mas olhos cansados, explicou que Ji-ho estava em coma. Ela usou palavras que eu não entendi na hora, mas ficou claro que ele não acordaria tão cedo.
Minha mãe caiu no chão, chorando tão alto que parecia que o hospital inteiro podia ouvir. Meu pai a segurou, mas ele mesmo parecia prestes a desabar.
Eu só fiquei lá, parada, observando tudo acontecer. Não chorei, não gritei, não disse nada. Apenas olhei para a porta que separava Ji-ho de nós, desejando que fosse tudo um pesadelo do qual eu pudesse acordar.
Mas não era.
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