Só Quem Já Perdeu - Capitulo 6: Segredos Escondidos

Os dias passaram, e com eles a rotina entre estudos e o distanciamento crescente dos meninos. Eles estavam sempre ocupados com a faculdade, e eu, apesar de também me dedicar aos meus estudos, não podia deixar de sentir a ausência deles. A prova se aproximava, e o peso do que estava por vir parecia cada vez maior. Mas, surpreendentemente, Jae-hyun começou a se tornar uma presença constante em minha vida, algo que eu não esperava.

No início, ele apenas se aproximava para estudar comigo na biblioteca. Mas logo começamos a estudar juntos com mais frequência. Ele sempre ficava ao meu lado, tentando me ajudar, de maneira gentil, sem pressa, sem pressão. Algo em sua presença me tranquilizava, e percebi que, aos poucos, eu estava me abrindo para ele de uma maneira que não fazia com os outros.

Em um daqueles dias em que ele veio até a minha casa para estudar, minha tia ficou visivelmente feliz. Ela nunca mencionava muito sobre meus amigos, mas quando viu Jae-hyun entrar, seu sorriso foi instantâneo. Parecia que ela estava contente por me ver com alguém além de Soo-min e Hyun-woo, como se estivesse, de alguma forma, aprovando essa amizade que estava se formando. As conversas eram leves, e a casa, por um momento, parecia mais acolhedora. Mas eu sabia que os meninos estavam distantes, já nem vinham mais com tanta frequência. A faculdade, as provas, os dormitórios... Eles estavam cada vez mais imersos em seus próprios mundos.

Até que uma noite, a tensão na casa explodiu.

Eu estava no meu quarto, tentando me concentrar nos estudos, quando ouvi os gritos. Minha tia, geralmente calma e controlada, estava furiosa. O som de sua voz rasgando a noite chegou até mim, e eu parei, prestando atenção. Ela estava gritando com Tae-jin, o marido. Eu não sabia ao certo do que se tratava, mas algo estava muito errado.

Fiquei paralisada, ouvindo o som das palavras se chocando no ar. Ela acusava-o de traição, de algo que ele não podia explicar. Eu ouvia a voz dela, quebrada de raiva, enquanto ele tentava se justificar, mas não havia justificativa possível. Algo sobre uma mancha de batom em sua camisa, algo que parecia uma prova irrefutável.


Eu sentia uma dor estranha em meu peito, como se não fosse só a briga deles que estivesse me atingindo, mas também o peso do que estava acontecendo ali, dentro de minha casa.

Então, ele pegou suas coisas e foi embora. Eu fiquei ali, imóvel, ouvindo a porta bater. O silêncio tomou conta da casa, e, por um momento, eu não sabia o que fazer. Minha tia ficou no chão, desamparada. Eu queria ir até ela, mas algo me segurava, um medo que eu não entendia. Ela estava lá, completamente vulnerável.

Quando ele voltou, parecia ainda mais raivoso. Ele gritou algo sobre Soo-min nunca mais voltar para ela. Aquelas palavras ficaram reverberando na minha cabeça, mas eu não conseguia entender o que significavam.

Depois de um tempo, a casa voltou ao silêncio, e eu me atrevi a sair do meu quarto. Fui até a tia, e ao vê-la tão quebrada, sem poder fazer nada, algo dentro de mim se partiu. Ela estava tentando disfarçar, dizendo que tudo estava bem, mas eu sabia que não estava.

Eu me aproximei dela e a abracei com força. Ela tentou disfarçar, dizendo que não era nada, que tudo ficaria bem. Mas algo em seus olhos, uma dor tão profunda, fez meu coração apertar. Eu não sabia o que dizer, mas algo me fez perguntar.

— Tia, Soo-min nunca iria embora, né?

Ela me olhou com os olhos marejados e, por um momento, parecia perdida. Mas depois, com uma voz suave, ela disse:

— Soo-min não é meu filho biológico, Ji-yeon. Ele veio para nossa casa quando tinha sete anos. A mãe dele morreu em um acidente de carro. O pai dele... quando engravidou essa mulher, ele disse que foi apenas uma noite de diversão, algo sem importância. Não sabia da existência de Soo-min até aquela noite, quando ele entrou pela porta com o menino. Eu já havia perdoado o que ele fez, mas o que eu não sabia era que a dor do meu marido com isso nunca passaria. Mesmo assim, eu o aceitei, como se fosse meu próprio filho. Depois de tanto tempo tentando engravidar e passando por tratamentos que não deram certo, eu o adotei. Eu o vi como meu filho, e você também é, Ji-yeon. Ambos são meus filhos, e sempre serão.

Aquelas palavras da minha tia ecoaram na minha mente, e a realidade do que ela estava me dizendo começou a se formar em minha cabeça. Eu sabia que havia algo mais, algo profundo e complexo, por trás de toda aquela dor silenciosa, mas nunca imaginei que fosse algo tão… sombrio. A história de Soo-min, de como ele entrou na vida da minha tia, e o peso das escolhas dela, começaram a se juntar, formando uma imagem ainda mais turva do que eu poderia entender.

Ela tentava sorrir, mas seu rosto estava marcado pela tristeza, como se o peso do que acabara de revelar tivesse sido demais para ela.

— Você nunca me contou isso antes, nem Soo-min… — eu sussurrei, tentando processar tudo.

Minha tia se apoiou na parede, levando uma das mãos à testa, como se estivesse tentando se recompor. Ela sempre foi a figura de força em minha vida, mas agora, eu via algo diferente nela — uma fragilidade que nunca tinha percebido antes.

— Eu não queria que você soubesse. Mas você é mais velha agora, Ji-yeon. E as coisas estão complicadas, entre seu tio e eu. Talvez seja hora de entender o quanto nossas vidas nunca foram fáceis, e o quanto eu fiz para tentar manter tudo junto... — ela parou por um momento, como se as palavras não quisessem sair. — Você tem o direito de saber, mas não quero que isso mude o que você sente por Soo-min, ou por mim. Soo-min e você são minha família, da mesma maneira que eu te considero filha.

Eu senti uma sensação de alívio e confusão ao mesmo tempo. Alívio porque agora entendia algumas das motivações da minha tia, mas a confusão vinha com a responsabilidade de carregar esse conhecimento. Como isso mudaria a maneira como eu via tudo? Eu olhei para ela e, sem saber exatamente o que dizer, apenas a abracei.

— Eu... eu não sei o que pensar, tia. Mas eu entendo. — Eu disse, tentando me convencer de que entender tudo seria o suficiente. Mas no fundo, havia uma parte de mim que sentia uma tristeza crescente. O que minha tia havia feito por amor, por querer construir uma família, agora parecia ter causado uma rachadura impossível de ignorar. Não só em nossa relação, mas também em como eu via as pessoas ao meu redor.


Ela me apertou em um abraço apertado, tentando, de algum modo, me proteger da dor que ela mesma estava carregando. Mas eu sentia que nada mais seria como antes. Algo em mim estava mudando.

Quando ela se afastou, me olhou nos olhos com uma expressão resoluta.

— Não importa o que aconteça, Ji-yeon, você sempre será minha filha. Você e Soo-min são o meu maior tesouro. E, por mais que a vida nos tenha dado tantas reviravoltas, eu vou fazer de tudo para proteger você, sempre.

Eu a encarei, sentindo o peso de suas palavras. Mas também senti uma gratidão imensa. Ela estava ali, tentando me proteger, tentando manter as coisas o mais seguras possível para mim.

Eu estava na véspera das provas para entrar na faculdade, prestes a dar o passo mais importante da minha vida. Mas, nesse momento, tudo parecia secundário, comparado às revelações que estavam surgindo, como peças de um quebra-cabeça que se montava de uma maneira que eu não conseguia controlar.

Enquanto me deitava naquela noite, as palavras da minha tia continuavam ecoando na minha mente. Eu pensava em Soo-min, em todas as vezes que ele esteve ao meu lado, cuidando de mim, me protegendo como um irmão mais velho. E agora, saber que ele não era meu primo de sangue... isso me fazia questionar tudo.

Por que ele nunca me contou? Ele sabia? Será que isso era um segredo que ele também carregava? Ou minha tia tinha escolhido esconder isso até mesmo dele? A ideia de que ele pudesse ter mantido algo tão importante longe de mim me machucava de um jeito que eu não sabia descrever.

Eu sempre o considerei meu primo, meu amigo mais próximo, alguém que fazia parte da minha família de maneira inquestionável. O que isso significava agora? O fato de ele não ser meu primo de verdade mudava algo? Para mim, ele ainda era Soo-min. Ainda era aquele que estava ali nas noites em que eu não conseguia dormir por causa dos pesadelos. Ainda era aquele que me defendia, que me ensinava a andar de bicicleta, que me fazia rir com as suas piadas bobas.

Mas, ao mesmo tempo, não podia evitar o pensamento de que ele sabia. E se ele soubesse, por que nunca falou nada? Não éramos tão próximos quanto eu imaginava? Será que ele tinha medo de como eu reagiria? Ou, talvez, isso fosse algo que ele também não sabia lidar?

Eu me virei na cama, sentindo uma mistura de tristeza e confusão. Meu coração doía com a ideia de que nosso vínculo pudesse não ser tão forte quanto eu sempre acreditei. Mas, ao mesmo tempo, havia algo em mim que sabia que nada disso mudava o fato de que ele sempre esteve ao meu lado. Ele era minha família, mesmo que o sangue não nos unisse.

"Eu o considero meu primo, minha família", pensei. "E isso nunca vai mudar. Mas... por que ele não confiou em mim?"

Essas perguntas continuaram a girar em minha mente até que o cansaço finalmente me venceu. Fechei os olhos, tentando afastar os pensamentos. Talvez a resposta viesse com o tempo. Ou talvez fosse algo que eu precisaria perguntar diretamente a ele. Mas, por enquanto, tudo o que eu sabia era que o peso desse segredo estava deixando uma marca em mim que eu não podia ignorar.

A manhã da prova chegou com o céu cinza e um vento leve que parecia carregar minhas ansiedades. Eu havia passado semanas revisando cada fórmula, cada conceito e cada detalhe, mas, ao entrar na sala onde o futuro seria decidido, uma sensação de vazio tomou conta de mim. Como se, de repente, tudo o que eu tinha estudado pudesse escapar da minha mente a qualquer momento.

"Você conseguiu chegar até aqui, Ji-yeon. Agora é só o último passo", pensei, tentando me convencer de que estava pronta.

O silêncio na sala era quase ensurdecedor. O som dos lápis no papel, das páginas virando e do relógio marcando o tempo eram os únicos ruídos. Concentrei-me em cada questão, lembrando das noites em claro, dos conselhos de Soo-min, Hyun-woo e até mesmo das discussões com Jae-hyun sobre qual era a melhor abordagem para estudar cada tema.

Quando entreguei a prova, uma onda de alívio e exaustão me envolveu. Havia feito tudo o que podia. Agora, era só esperar.

Depois do jantar, Soo-min sugeriu que fôssemos ao balanço atrás da casa, como fazíamos quando éramos mais novos. O balanço balançava levemente com a brisa, e eu me sentei enquanto ele ficou em pé ao meu lado, olhando para o céu.

— Minha mãe me contou o que aconteceu — ele começou, sua voz baixa e séria.

Eu olhei para ele, sem dizer nada. Era como se ele pudesse sentir o turbilhão de perguntas e sentimentos que eu carregava.

— Não vou mentir, Ji-yeon. Saber disso... me deixou com raiva. Não por ela ter contado, mas porque ela sofreu tudo isso por minha causa. Eu sempre soube que ela não podia ter filhos, e que eu era... um substituto, de certa forma.

Seus olhos estavam fixos no chão, mas sua voz carregava uma firmeza que eu não esperava.

— Mas nunca pensei que isso fosse ser algo que a faria sofrer tanto. Meu pai... Ele sempre foi egoísta. E agora, vendo ele fazer isso de novo... Não vou permitir que ele nos destrua. Nem a ela, nem a você.

Ele se virou para mim, seus olhos encontrando os meus com uma intensidade que me fez prender a respiração.

— Eu não vou abandonar nenhuma de vocês, Ji-yeon. Minha mãe é tudo para mim. E você... você é minha família, independente de qualquer coisa.

Eu não sabia o que dizer. As palavras dele carregavam tanto peso, tanta verdade, que apenas balancei a cabeça, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos. Ele se abaixou e colocou a mão sobre a minha, um gesto simples, mas que transmitia tudo o que ele não precisava dizer.

— Eu sempre vou estar aqui — ele murmurou.

As semanas que seguiram foram cheias de expectativa. O silêncio em casa era quebrado apenas pelo som dos meus estudos e pelas visitas ocasionais de Jae-hyun. Soo-min também vinha, mas era claro que ele estava mais reservado, talvez tentando dar espaço para que eu processasse tudo o que tinha acontecido.

Quando os resultados saíram, minha tia foi a primeira a me abraçar.

— Eu sabia que você conseguiria! — ela exclamou, com os olhos brilhando de orgulho.

A notícia se espalhou rapidamente, e logo Soo-min e Hyun-woo estavam me ligando para parabenizar. A ideia de entrar na mesma universidade que eles era ao mesmo tempo emocionante e aterrorizante.

O dia finalmente chegou. A universidade que parecia um sonho distante agora era parte da minha realidade. Antes de sair de casa, minha tia insistiu que Soo-min e Hyun-woo me acompanhassem, apesar dos protestos deles. No entanto, enquanto eu terminava de me arrumar, houve uma batida suave na porta.

Quando abri, era Jae-hyun. Ele segurava algo nas mãos — um pequeno envelope.

— Posso falar com você antes de ir? — perguntou ele, com um sorriso tímido que escondia algo mais profundo.

Assenti, sentindo meu coração acelerar. Descemos as escadas e saímos para o jardim, onde ele parecia buscar as palavras certas.

— Ji-yeon, eu sei que talvez isso não seja o momento perfeito, mas... eu preciso dizer antes que você dê o próximo passo na sua vida — ele começou, sua voz um pouco trêmula. — Desde o dia em que te vi na biblioteca, soube que havia algo especial em você. Não só pela sua beleza, mas pela sua força, mesmo sem dizer muito.

Eu tentei responder, mas ele ergueu a mão suavemente.

— Por favor, me deixe terminar. Eu sei que você carrega muito dentro de si, e talvez nunca tenha pensado em mim dessa forma, mas eu quero estar ao seu lado, Ji-yeon. Não importa o que aconteça, quero te apoiar. — Ele estendeu o envelope para mim. — Não precisa me dar uma resposta agora, só leia isso quando estiver pronta.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Soo-min e Hyun-woo apareceram na entrada da casa, discutindo sobre quem seguraria minha mochila. Minha tia, sorrindo, surgiu logo atrás deles e lançou um olhar que dizia claramente: Não atrapalhem.
Eles ate queriam ir ate ele, mas minha tia puxou eles na mesma hora.


Jae-hyun deu um passo para trás, me lançando um último sorriso antes de se despedir. Fiquei parada ali por alguns segundos, processando tudo o que havia acabado de acontecer.

Quando entrei no carro com Soo-min e Hyun-woo, o clima estava mais leve, quase como sempre foi entre nós. Eles discutiam, faziam piadas e, por um momento, eu me permiti sorrir, sentindo um pouco de normalidade no caos que sempre foi minha vida.

Ao chegar à universidade, meus olhos se voltaram para o vasto campus à frente. Era um espaço imenso, cheio de possibilidades, mas também carregado de uma emoção que eu mal conseguia descrever. Enquanto caminhava pelos corredores ao lado deles, minha mente vagava.

Lembrei-me de minha mãe, do sorriso dela quando me incentivava a seguir meus sonhos. No meu pai, que sempre dizia pra nao desistir(em pensar que ele desistiu), Pensei em Ji-ho, meu irmão, que nunca teve a chance de crescer, mas que sempre será uma parte de mim. Pensei nos dias de silêncio, na dor e nos sacrifícios que me trouxeram até aqui.

— Ei, Ji-yeon, você está bem? — perguntou Soo-min, interrompendo meus pensamentos.

Eu o olhei, depois Hyun-woo, e percebi que, apesar de tudo, eu nunca tinha estado realmente sozinha. Cada um deles, à sua maneira, tinha me ajudado a chegar até ali.

Quando chegamos ao prédio principal, eles começaram a se despedir, prontos para me deixar explorar meu novo mundo. Antes que fossem, segurei a mão de Soo-min e depois a de Hyun-woo.

— Obrigada — disse simplesmente, mas com uma intensidade que parecia carregar tudo o que eu não conseguia expressar em palavras.

Eles trocaram olhares, confusos, mas sorriram. E, enquanto eu caminhava em direção ao início dessa nova fase, algo dentro de mim mudou.

Pela primeira vez, senti que havia um futuro esperando por mim, um futuro que eu construiria com as memórias e as cicatrizes que me trouxeram até ali. Porque, apesar de todas as perdas, eu sabia que tinha força para seguir em frente.

Minha família, de sangue ou de coração, sempre estaria comigo. E, no fundo, eu sabia que Ji-ho, minha mãe e meu pai, estariam orgulhosos de mim. Eu carregava a memória deles não como um fardo, mas como uma luz que me guiava em direção ao desconhecido.

Agora, era minha vez de criar a minha própria história.

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