Vozes no Vazio

Os dias seguintes trouxeram uma nova rotina, mas o vazio ainda sussurrava ao fundo. Eu me via entrando naquele café mais vezes do que admitiria, como se algo dentro de mim estivesse à espera. Cada xícara de chá quente e cada página lida em silêncio pareciam me trazer de volta ao momento em que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez.

Hoje, a neve caía lá fora, espessa e lenta, cobrindo o mundo com um véu branco. Eu o vi chegar, passos cuidadosos no piso de madeira. Ele não parecia surpresa em me encontrar; parecia que também me esperava. Quando RM se sentou à minha frente, senti o ambiente mudar, como se o café inteiro tivesse desacelerado para ouvir o que estava por vir.

— Você parece distante hoje — ele disse, colocando um marcador entre as páginas do livro que segurava.

Puxei o ar, como se precisasse dele para sustentar o que eu estava prestes a dizer.

— Antes de te conhecer, eu me sentia completamente sozinha. Cada dia parecia uma batalha interminável. Não sabia como falar sobre isso... ou se valia a pena tentar.

Ele me olhou com um cuidado que parecia me envolver.

— Às vezes, a solidão não é o fim, mas um espaço para se escutar. É difícil, mas compartilhar seus sentimentos é o primeiro passo para aliviar o peso. Você não precisa fazer isso sozinha.

Havia algo nas palavras dele que ia além do conforto; elas carregavam uma verdade que eu não conseguia evitar. Senti uma onda de vulnerabilidade, mas também a libertação que vinha com ela.

— Quando eu escrevo... — ele continuou, olhando para fora, onde a neve se acumulava nos parapeitos — ... é como gritar para o vazio. Algumas palavras ecoam de volta, outras se perdem. Mas em algum lugar, alguém as ouve. Isso me lembra que, mesmo em silêncio, nunca estamos realmente sozinhos.

Fechei os olhos por um momento, deixando aquelas palavras preencherem as lacunas dentro de mim

Fechei os olhos por um momento, deixando aquelas palavras preencherem as lacunas dentro de mim. Era como se ele traduzisse um sentimento que eu nunca conseguira expressar.

Com o tempo, nossos encontros se tornaram mais frequentes. Conversávamos sobre os dias difíceis, os sonhos que tínhamos medo de admitir e as pequenas vitórias que começavam a aparecer. Ele compartilhou pedaços de versos e rascunhos, enquanto eu me aventurava a revelar antigos cadernos onde minhas próprias palavras esperavam para ser lidas.

Em uma tarde especialmente fria, ele me perguntou:

— Se você pudesse dizer algo para a Yuna de antes, o que diria?

Pensei por um momento, observando a fumaça subir da xícara de chá.

— Diria para ela que não precisa ser forte o tempo todo. Que há beleza em pedir ajuda. E que, às vezes, encontrar a si mesma começa quando você deixa alguém entrar.

Ele sorriu, aquele sorriso sereno que parecia segurar uma tempestade inteira.

— Acho que eu também diria isso a mim mesmo.

Não era apenas amizade o que florescia ali; era uma conexão tão real quanto a neve que tocava o chão lá for a. E assim, descobri que o vazio não precisava ser preenchido com palavras; ele podia ser compartilhado.

Enquanto o inverno se desenrolava em sua longa melodia branca, percebi que a solidão que antes me sufocava tinha se transformado em algo mais: um espaço para crescer, para aceitar e, finalmente, para encontrar força.

RM não trouxe apenas consolo; ele me mostrou que o que eu achava ser o fim era, na verdade, um começo. A cada palavra trocada, a cada silêncio compartilhado, eu me reconectava comigo mesma — e, pela primeira vez, senti que estava exatamente onde deveria estar.

"Mesmo que o inverno seja longo, sempre há um novo amanhecer à espreita", ele disse em nosso último encontro, antes que a primavera começasse a fluir para nossas vidas.

Eu sabia que essas palavras ficariam comigo para sempre.

Comentários