O café estava quase vazio desta vez, envolto em um silêncio aconchegante. A luz suave do entardecer pintava o ambiente com tons dourados, como se cada detalhe ao redor estivesse em perfeita harmonia. Eu estava lá, na nossa mesa habitual, mas com uma sensação de que aquele encontro seria diferente.
RM apareceu como sempre, quase imperceptível, mas sua presença parecia preencher o espaço. Ele não trazia o caderno nem a caneta desta vez. Apenas ele, com as mãos livres e o olhar tranquilo.
Ele se sentou diante de mim, inclinando-se um pouco, como se quisesse garantir que eu o ouvisse com o coração e não apenas com os ouvidos.
— Yuna — ele começou, sua voz carregando uma ternura que parecia eterna. — Você já percebeu como o céu noturno não nos dá todas as estrelas de uma vez?
Eu franzi a testa, um pouco confusa. Ele sorriu.
— Algumas aparecem só quando estamos prontos para vê-las. Às vezes, é preciso atravessar a escuridão inteira para perceber o brilho que já estava lá. — Ele fez uma pausa, seus olhos fixos nos meus. — Você é como uma dessas estrelas, Yuna. Não precisa que ninguém a descubra para brilhar. Você já ilumina o que toca.
As palavras dele me atravessaram, encontrando os pedaços de mim que ainda estavam quebrados, que ainda duvidavam.
— Mas e quando a luz parece insuficiente? — minha voz soou mais baixa do que eu esperava, carregada de uma vulnerabilidade que não conseguia esconder.
Ele sorriu novamente, mas havia algo diferente naquele sorriso. Era gentil, mas carregava uma profundidade que me fez sentir segura.
— A luz nunca é insuficiente — respondeu. — Ela só parece menor quando você está muito perto. Quando se afasta, consegue ver que ela ilumina mais do que imaginava.
Aquelas palavras pareciam ecoar dentro de mim, desafiando cada dúvida que eu tinha. Mas antes que eu pudesse responder, algo mudou. O som ao nosso redor começou a desaparecer, como se o mundo estivesse se dissolvendo em camadas.
— RM, espera! — chamei, minha voz urgente.
Ele apenas me olhou, com aquele mesmo sorriso sereno.
— Continue brilhando, Yuna. O mundo precisa da sua luz.
E então, ele desapareceu.
O som insistente de um despertador invadiu o silêncio, me puxando de volta. Abri os olhos de repente, a cabeça pesada de sono apoiada em um livro aberto sobre a mesa.
Olhei ao redor, meio desorientada, enquanto o som do despertador ecoava. Meu quarto estava bagunçado, com papéis e livros espalhados, como um reflexo da confusão que eu sentia dentro de mim.
Passei a mão pelo rosto e respirei fundo, tentando me ancorar na realidade. Então, me lembrei do sonho. Das palavras dele.
Minha mão foi automaticamente para o caderno ao meu lado. Não era o mesmo que eu tinha entregado a ele no sonho, mas isso não importava. Peguei a caneta e, antes que a memória desvanecesse, comecei a escrever.
"Algumas estrelas só aparecem quando estamos prontos para vê-las."
As palavras dele estavam tão vivas em mim que parecia que ele ainda estava ali, sussurrando-as diretamente no meu ouvido.
Continuei escrevendo, deixando tudo fluir: o significado da luz, o medo da insuficiência, o impacto que podemos ter mesmo sem perceber. Era como se cada linha fosse uma conversa contínua com ele, uma ponte entre o sonho e a realidade.
Quando terminei, fechei o caderno e o abracei por um momento. Eu sabia que aquele encontro não havia sido real, mas as palavras dele eram.
Levantei-me e fui até a janela. O céu da manhã estava claro, mas eu conseguia enxergar as estrelas que ele mencionara, mesmo que não estivessem visíveis. Porque agora, eu entendia.
Eu não precisava esperar que ninguém me visse. Eu já brilhava.
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