Capítulo 3: Sussurros das Sombras

Saran avançava mais profundamente na floresta, cada passo um confronto com suas lembranças e sentimentos guardados. A rosa vermelha, agora com um brilho tênue, ainda estava segura em suas mãos, oferecendo-lhe um lembrete de beleza e esperança em meio ao medo que a cercava.

Os sussurros das sombras continuavam, como ecos persistentes de suas próprias dúvidas e traumas. Ela ouviu um sussurro de uma voz familiar, que soava jovem e ingênua — sua própria voz de quando era criança.
- Por que eles não me amam como nas histórias? Por que não me protegem? - As perguntas que ecoavam na floresta eram as mesmas que um dia a atormentaram na infância, quando se refugiava em cantos da casa, ouvindo as brigas dos pais, sentindo-se desamparada e invisível.
As sombras das árvores pareciam se estender como braços, criando formas familiares, como se se tornassem as próprias figuras de seus pais em suas mentes. Ela visualizou a mãe, cabisbaixa e envolta em garrafas vazias, alheia ao caos que causava. E o pai, com os punhos fechados, uma presença que era ao mesmo tempo assustadora e opressiva. Saran sentiu seu coração apertar, o peso da solidão de sua infância voltando como uma corrente invisível, prendendo seus movimentos.
- Eu não sou mais aquela criança. - murmurou ela para si mesma, tentando trazer-se de volta ao presente. Mas a sombra de seu pai pareceu ganhar mais força, sussurrando:
- Você vai sempre carregar isso. Não há como escapar. - Era uma frase que ele repetia sempre que a acusava de ser fraca, e essas palavras ecoavam agora na escuridão.

Então, a rosa em suas mãos começou a brilhar suavemente, como se lembrando-a de que ela havia encontrado beleza e resistência mesmo em lugares sombrios. Saran olhou para a flor, inspirando-se em sua fragilidade e ao mesmo tempo em sua força. Com um aperto firme, ela encarou as sombras.
- Essas são apenas memórias. - declarou, com uma firmeza que surpreendeu até a si mesma.
- E eu escolho o que fazer com elas. - Com essa afirmação, algo dentro dela parecia mudar. As sombras ao seu redor diminuíram, e as vozes tornaram-se menos ameaçadoras. Ao invés de uma cadeia, o passado poderia ser um caminho, uma parte dela, mas não o todo.
Os sussurros continuaram, mas agora, ao invés de frases ameaçadoras, eles pareciam trazer conselhos e lições. A voz de sua avó ecoou entre as árvores, suave e encorajadora:
- Você pode transformar dor em força, Saran. Sempre pôde. - Sentindo o conforto dessa voz, ela se permitiu reviver o breve amor e proteção que a avó lhe ofereceu durante a infância, quando era seu porto seguro em meio ao caos familiar.
Saran sentiu-se mais forte, menos assombrada pelo passado, e percebeu que as sombras carregavam, sim, sabedoria — mas era ela quem escolheria o que ouvir e o que levar em sua jornada. Com um último olhar para a rosa, Saran seguiu mais profundamente pela floresta, determinada a descobrir o que mais as sombras poderiam lhe ensinar e a encontrar um novo caminho, onde as feridas não seriam correntes, mas cicatrizes de quem ela havia se tornado.

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